História concisa do carnaval amazonense
Em 1890, em pleno apogeu da exploração da goma elástica, de cada 10 moradores de Manaus, 8 eram analfabetos.
Passadas duas décadas, o fosso entre ricos e pobres aumentou ainda mais a constituição de um espaço privilegiado para as reformas sanitárias e para a segregação da cidade eleita.
As ruas e logradouros centrais ganharam outros contornos, com novo embelezamento e com uma forte política de higienização do espaço público central.
A idéia dos intendentes municipais era mesmo a de disciplinar o transeunte, o vendedor ambulante, o mendigo, o trabalhador comum.
No livro “A ilusão do fausto”, a historiadora Edinea Mascarenhas Dias, esposa do querido advogado H. Dias e cunhada do fotógrafo Carlos Dias, mostra o porquê de tudo isso não ter dado certo.
Os inúmeros projetos de modernização só foram completamente exeqüíveis na cabeça dos governantes de então, embebedados que estavam com as façanhas de Haussmann na capital francesa.
Se Manaus preservou alguns desses símbolos do fausto, como o seu famoso teatro, seu porto flutuante, o elegante prédio da alfândega, o palácio da justiça e tantos outros, também possibilitou que ficasse oculta, nesses mesmos relatórios oficiais, uma outra cidade que recebia as imensas levas de imigrantes que vinham de toda a parte em busca das tais riquezas do látex.
Edinea visitou essa cidade oculta, recuperou seus números, revolveu seus insucessos, e nos apresentou suas estratégias de lutas pela sobrevivência.
Se há uma crítica para ser feita a esse livro é que o mesmo ainda se recente das histórias miúdas dessa população anônima, rejeitada nas estatísticas oficiais.
Mas, apesar disto, a autora soube muito bem criticar, sem os habituais excessos anacrônicos, os percursos e as estratégias políticas dos administradores da capital do Amazonas, tomando, um a um, seus nomes e seus feitos.
Os bailes de carnaval da elite eram discutidos, planejados e decididos no famoso Café dos Terríveis, frequentado pelos intelectuais, boêmios e bem nascidos da época.
O carnaval de 1915 foi o mais extravagante que Manaus conheceu. A cidade inteira saiu às ruas, dançou nos clubes e cafés.
Havia sete meses que a Europa estava em guerra, mas isso pouco importava.
O povo cantava o “Maneiro-pau”, a “Cabocla de Caxangá” e a polca “Perepepê”, canções da época.
A alegria chegou ao máximo quando desfilaram os Paladinos da Galhofa, em onze carros alegóricos.
Num deles ia Áurea Ramos, considerada uma das moças mais bonitas da cidade.
À noite, no Ideal Clube, houve baile. E Áurea subiu ao palco. Mas um tiro acidental de um cowboy fantasiado a atinge e ela cai.
Um cortejo de mascarados, palhaços, pastoras, negas malucas e piratas, leva-a à Santa Casa de Misericórdia. Mas Áurea morre.
Nos meses seguintes, os poetas de Manaus lhe prodigalizam sonetos fúnebres apaixonados.
O ano de 1915 começava melancólico. O preço da borracha caía brutalmente, sob a concorrência da que saía dos seringais racionais plantados pelos ingleses na Malásia, proveniente de sementes brasileiras contrabandeadas.
Em 1916 não houve carnaval de rua em Manaus, as mulheres francesas foram embora, os cafés fecharam as portas, o mato começou a devolver à efêmera capital da borracha a sua vida de cidade sem muita expressão, vegetando no verde.
Foi nesse contexto que começaram a surgir os blocos de sujos, ranchos e cordões populares que mais tarde deram origem às escolas de samba que conhecemos.
Até os anos 40, a brincadeira era feita de forma pouco organizada com os grupos desfilando nas ruas da própria comunidade.
Entre os blocos pioneiros estavam o Cordão das Lavadeiras, Os Linguarudos, Caboclo Suraras, Cordão das Jardineiras, Cabocos Suburucus e Cordão do Zé Pretinho.
Na metade da Segunda Guerra Mundial, quando os japoneses tomaram os seringais da Malásia, pareceu que o antigo esplendor amazônico voltaria.
O governo Getúlio Vargas organiza um Exército da Borracha para suprir os aliados e novas ondas de nordestinos são levadas para a Amazônia.
Porém é uma riqueza mais fugaz ainda. Com o fim da guerra, a capital amazonense volta à mesma velha pasmaceira de sempre.
Em 1946, surge a primeira escola de samba da cidade, denominada Escola de Samba Mixta da Praça 14 de Janeiro, organizada nos moldes das escolas de sambas cariocas.
De 1947, quando desfilou na avenida Eduardo Ribeiro pela primeira vez, até 1962, quando encerrou suas atividades, a agremiação conquistou 15 carnavais seguidos.
Outros bairros seguiram o exemplo da Praça 14 e também criaram suas próprias escolas de samba: Unidos de São Jorge, que desfilava sob o comando da mãe de santo Joana Galante, Escola de Samba do Boulevard Amazonas, Escola de Samba da Cachoeirinha, Escola de Samba da Matinha, que deu origem ao atual GRES Presidente Vargas, Unidos da Raiz e muitas outras.
Os desfiles das escolas de samba desse período traziam uma característica herdada dos antigos cordões e que continua sendo usada hoje em dia apenas no carnaval baiano: o uso de cordas para separar o folião com abadá de trio elétrico do folião “pipoca”, que pula longe da frigideira.
As escolas de samba se concentravam nas imediações do Instituto de Educação do Amazonas (IEA), com todos seus brincantes dentro de um quadrilátero cercado por uma corda.
A idéia era de que quem estava dentro do cercado tinha mais segurança para brincar.
Naquela época não existiam carros alegóricos.
O estilo “cordão” foi aposentado depois que duas emissoras de rádio, Difusora e Baré, começaram a transmitir o desfile ao vivo.
O palanque das autoridades, dos radialistas e dos comentaristas foi montado no meio da avenida de forma que os brincantes tinham que se dividir durante o desfile, passar pelos dois lados do palanque e se reagrupar depois.
A idéia de jerico, claro, acabou inviabilizando o uso da corda.
O fim da Escola Mixta e, dois anos depois, o início da ditadura militar resultou em um período negro para o carnaval de rua amazonense.
Entre 1962 e 1970, os desfiles continuaram acontecendo na avenida Eduardo Ribeiro, mas de uma forma bem tímida, tanto que não houve disputas oficiais do carnaval nesse período.
Em 1970, o coronel Jorge Teixeira chegou a Manaus para assumir o comando do Centro de Instruções de Guerra na Selva (Cigs) e naquele mesmo ano fundou a escola de samba Unidos da Selva, formada por militares de diversas unidades das Forças Armadas e pagodeiros civis, a maioria deles vinda do sul do país para trabalhar no nascente Distrito Industrial.
Introduzindo os carros alegóricos, os tripés e os destaques ricamente ornamentados, a Unidos da Selva desfilou de 1971 a 1976, tendo conquistado cinco títulos (1971 a 1974 e 1976).
A Unidos de São Francisco ganhou o título de 1975.
A Unidos da Selva deixou de desfilar porque seu patrono, o coronel Jorge Teixeira (aka “Teixeirão”), foi nomeado prefeito de Manaus, em abril de 1975, pelo governador Henock Reis, e permaneceria no cargo até março de 1979.
Como a prefeitura era a patrocinadora oficial do carnaval de Manaus, os militares preferiram encerrar as atividades da escola após o carnaval de 1976, a fim de não constranger o prefeito por um suposto favorecimento caso a Unidos da Selva continuasse na sua vertiginosa carreira de escola de samba “papa-títulos”.
Em 1975, surgiu o GRES Vitória Régia, na Praça 14 de Janeiro, resgatando a tradição iniciada com a Escola de Samba Mixta, tendo se sagrada campeã amazonense de carnaval de 1977 a 1980.
Em 1977, o bloco Em Cima da Hora, de Educandos, resolveu se transformar em escola de samba e já se sagrou vice-campeã em seu primeiro desfile, desbancando escolas de samba tradicionais como Unidos de São Jorge e Unidos da Compensa.
Ela ganharia seu primeiro título em 1979, empatada em primeiro lugar com a Vitória Régia.
Nascido de uma dissidência do GRES Em Cima da Hora, o GRES Mocidade Independente de Aparecida foi fundada em 1980, no bairro de Aparecida, e se transformou no grande fenômeno de carnaval de rua amazonense: em 30 disputas, obteve 18 títulos, 5 vice-campeonatos e 3 terceiros lugares, ou seja, esteve entre as três melhores escolas de samba da cidade em 80% das vezes.
Um feito realmente extraordinário!
Para relembrar o carnaval de rua, antes do advento das escolas de samba e do Sambódromo, transcrevo um texto do enciclopedista Carlos Zamith, pai do queridíssimo juiz Carlos Zamith Jr. e responsável pelo belísimo site “Baú Velho”, intitulado “Carnaval do Mocidade”:
Aqui em Manaus, quando os desfiles eram na Avenida Eduardo Ribeiro, tenho a impressão que as festas eram bem melhor para o povo brincar e assistir.
Tudo começava bem cedo, às quatro da tarde. Os carros da época, de capotas arriadas, com belas jovens ostentando bonitas fantasias, algumas com máscaras, a descer e subir a Eduardo Ribeiro, atirando serpentinas e confetes.
Aqui e ali um carro alegórico, sempre esperado com muita curiosidade pelos assistentes que se colocavam nas calçadas debaixo do sombreado dos benjaminzeiros (isentos da praga dos “lacerdinhas”), sentados em cadeiras que traziam de suas casas.
Carros alegóricos da Fábrica de Cerveja Miranda Corrêa, destacando a tão saborosa XPTO; do J.G. Araújo, jogando para o povo os famosos saltos de borracha pura, Coroa; da Fábrica Andrade distribuindo garrafas do seu apreciado Guaraná Andrade; do Luso Sporting Clube, sempre preocupado em superar o da União Esportiva Portuguesa; do Ideal Clube numa sadia rivalidade com o do Atlético Rio Negro Clube, sempre garbosa, com bonitas garotas. Por fim, o do Nacional Futebol Clube, que arrancava muitos aplausos do povão, com ornamentação pobre porem esbanjando alegria em cima de carrocerias de velhos caminhões fumacentos.
Era um carnaval, queira ou não, muito mais alegre, muito mais divertido, muito mais festa do povo.
Nos carnavais dessa época, despontava com grande animação na avenida, o esperado grupo “Mocidade”, que anualmente apresentava uma novidade no último dia da festa, sempre guardada no mais absoluto sigilo, o tema a ser exibido.
Tenho lembrança de seus desorganizados carros, sempre confeccionados na Serraria do saudoso Jackson Cabral, lá em Educandos, com a assistência de uma turma saboreando a gostosa batida de taperebá, enquanto o Luís Cabral preparava os brincantes, só coroas, quase todos antigos desportistas do futebol, basquetebol, voleibol ou mesmo dirigentes.
O grupo Mocidade durou exatamente 25 anos. Saiu pela primeira vez em 1953, com o tema “Branca de Neve e os Sete Anões”, caracterizado pelo Dr. Luís (Lulu) Cabral.
Todo o material utilizado para a confecção dos anões, procedia do Rio de Janeiro e, na preparação do carro a turma estava lá com a batida de taperebá, consumida num abrir e fechar de olhos.
Durante os 25 anos de desfile, o Mocidade apresentou os mais variados temas, tais como Cangaceiro, Ciganos, Lavadeiras, Donas de Pensão, Babuínos, Só Deve Quem Compra, uma sátira ao antigo quadro do programa de televisão de Silvio Santos “Só Compra Quem Tem”, e Maternidade que alcançou muito sucesso, pois além de seus componentes representarem com uniformes de enfermeiras e médicos, o carro era dotado de berços, com fraldas e as respectivas mamadeiras contendo um líquido amarelado e espumoso, consumido pelos bebês em poucos segundos.
O saudoso Mário Bacalhau, velho morador de São Raimundo, fiscal da Prefeitura e um dos participantes efetivo do grupo, servia de babá e responsável, portanto, em abastecer as mamadeiras, o que lhe causou estafante trabalho durante as duas horas de desfile.
O último desfile do Mocidade ocorreu em 1978 e os “jovens foliões” fizeram questão de repetir o tema do primeiro, o de 1953, com “Branca de Neve e os Sete Anões”.
Foi a despedida do grupo e por isso cada um de seus participantes recebeu das mãos do então Prefeito Jorge Teixeira, medalha de ouro em reconhecimento a alegria que deram ao nosso carnaval ao longo de 25 anos.
Foram contemplados: Flávio Augusto, Raimundo Bertuceli, Mário Orofino, Andréa Limongi, Flaviano Limongi, José Maria Bichara, Theomário Pinto, Mário Bacalhau Bittencourt, Nelson (Cachimbinho) Bentes, Almério Cabral dos Anjos, Alfredo Tetenge, Miguel Jorge, Pedro Bichara e José Barros.
Até meados dos anos 70, entretanto, o mais divertido e animado carnaval de Manaus não estava nas ruas, mas no circuito dos bailes de clubes, obedecendo ao seguinte rodízio: no sábado gordo, baile adulto a partir das 23h.
No domingo, carnaval infantil a partir das 16h.
Na segunda, folga geral – com exceção do Rio Negro (“Baile de Gala”) e do Olímpico Clube (“Despedida da Kamélia”).
Na terça-feira, baile adulto a partir das 23h.
No período pré-carnavalesco (incluindo a chamada “semana magra”), os bailes ocorriam nas sextas, sábados e domingos.
Os desfiles dos blocos de sujo e foliões isolados se davam no domingo gordo e na segunda-feira, a partir das 14h, sempre na avenida Eduardo Ribeiro. As escolas de samba desfilavam na terça.
A concentração dos blocos ocorria na Praça da Saudade.
O percurso se iniciava na Praça do Congresso, descia a avenida, contornava o Relógio Municipal, subia a avenida e fazia a dispersão na avenida Sete de Setembro, em direção à Getúlio Vargas.
Os bailes carnavalescos mais disputados localizavam-se no centro da cidade e eram considerados os “carnavais da elite”.
As festas temáticas eram acessíveis somente aos sócios, que entravam de graça, e a quem pudesse pagar os preços exorbitantes cobrados pelas mesas ou pelos ingressos.
A diversão dos jovens de origem operária era “furar” o esquema de segurança desses clubes, para se divertir de graça junto com os “bacanas”.
Os bailes mais famosos ocorriam no Ideal Clube (“Baile de Máscaras”), Rio Negro (“Baile de Gala”), Bancrévea (“Vamos Pegar o Sol com as Mãos!”), Cheik (“Saara 40 Graus”), Olímpico (“Despedida da Kamélia”), Luso Sporting (“Viva o Zé-Pereira!”), União Esportiva Portuguesa (“Baile do Pierrô”) e Nacional (“Baile Azul e Branco”).
No final da Quaresma, o Cheik ainda promovia um baile carnavalesco intitulado “Enterro dos Ossos”.
Nesses bailes mais elitistas, as mulheres compareciam ornamentadas de vestidos longos, plumas, lantejoulas e fantasias ricamente elaboradas, e os homens, de smoking ou camisas sociais de grife, no velho estilo “coronéis de barranco”.
Claro que aqui e ali surgia um sujeito vestido de índio, pirata, mexicano, árabe, legionário, arlequim ou pierrô, mas os homens fantasiados eram uma minoria.
Quem tinha obrigação de vender beleza era o mulherio. Os machos estavam ali pra pagar pelo fuzuê.
Quando a fuzarca acabava, os foliões se encontravam no mercado Adolpho Lisboa para curar a bebedeira com o famoso mingau do Eusébio.
O artista plástico Inácio Evangelista era o decorador mais requisitado da cidade para produzir as ambientações temáticas dos clubes.
Além de ser contratado exclusivo do Ideal, Rio Negro, Cheik e Nacional – e cada um deles fazia até três bailes diferentes a cada ano –, ele ainda encontrava tempo para decorar o Atlético Barés Clube (“Baile do Sapo Não Lava o Pé”), o AABB (“Baile do Terror”), a União Esportiva de Constantinopla (“Baile da Cidade Alta”) e o Fast (“Baile do Rolo Compressor”).
Nos bairros, a população se divertia nos bailes carnavalescos dos clubes amadores ali existentes e nas sedes de associações sindicais e de times profissionais populares.
Em Educandos, por exemplo, na União Esportiva de Constantinopla. No bairro da Cachoeirinha, no Ipiranga, Botafogo, Cachoeirinha e no Círculo Operário.
No Morro da Liberdade, no Libermorro e Olaria. No Seringal Mirim, no Internacional (“Baile da Jardineira”). Em São Raimundo, nas sedes do São Raimundo e Sul América, e assim por diante.
Havia ainda os clubes de campo, de frequência mista (Sírio-Libanês, Caiçara, Cetur, Asa, Municipal, Beasa, Cassam, AABB etc.), que também realizavam bailes inesquecíveis.
Guardada as devidas proporções, o esquema nos bailes carnavalescos, tanto dos chamados “bailes de elite” quanto dos chamados “bailes populares”, seguia uma mesma dinâmica.
Uma orquestra de metais (nome genérico dos instrumentos de sopro feito de metais), posicionada no fundo do palco, iniciava a fuzarca, na maioria das vezes, com a música “Ô Abre Alas”, aquele clássico da Chiquinha Gonzaga (“Ô abre alas, que eu quero passar/ Ô abre alas, que eu quero passar/ Eu sou da Lira, não posso negar/ Rosa de Ouro é quem vai ganhar”).
Essa era a senha para as pessoas invadirem o salão abraçadas em dupla, trinca, quarteto ou até mesmo sozinhas.
O cortejo dos foliões consistia em uma movimentação em círculo, obedecendo ao sentido horário – mas também havia alguns sujeitos, cheios da truaca, que preferiam brincar no sentido anti-horário, o que era sinônimo de confusão.
As garotas desacompanhadas ficavam nas bordas do salão, observando aquela alegre confusão.
De repente, uma mão saindo do meio da turba lhe alcançava o pulso e a puxava para o salão.
Se houvesse interesse recíproco, a foliona se enganchava no sujeito e ia pra guerra.
Se não, ela dava um jeito de liberar o pulso das mãos do fariseu.
Essas efêmeras conquistas carnavalescas se constituíam na glória (ou calvário) de qualquer moleque que buscava as folias de Momo.
O cortejo, evidentemente, se movimentava no salão de acordo com a música.
Havia as marchinhas para uma evolução rápida – leia-se correria desenfreada e trombadas entre os participantes –, como “Marcha do Remador” (“Se a canoa não virar, olé, olé, olá/ Eu chego lá”), “Turma do Funil” (“Chegou a Turma do Funil/ Todo mundo bebe/ Mas ninguém dorme no ponto”), “Alalaô” (“Alalaô ô ô ô/ Mas que calor ô ô ô/ Atravessamos o deserto do Saara/ O sol estava ardente e queimou a nossa cara”) e a mais frenética de todas, que costumava causar quedas coletivas no salão, “Corre, corre, lambretinha” (“O vovô ia a cavalo/ Para visitar vovó/ O papai de bicicleta/ Pra ver mamãe, ora vejam só!/ Hoje tudo está mudado/ Mudou tudo, sim senhor/ E eu tenho uma lambreta/ Para ver o meu amor/ Corre, corre, lambretinha/ Pela estrada além/ Corre, corre, lambretinha/ Que eu vou ver meu bem”).
Havia as marchinhas para uma evolução devagar, quase parando – e aí os arranjos mistos de trincas, quartetos, quintetos ou sextetos davam vez para os casais.
Quem ainda não estivesse descolado um par precisava correr contra o relógio, porque essas marchinhas começavam a ser tocadas na metade do baile.
A mais clássica de todas era aquela criação genial de Zé Kéti, “Máscara Negra” (“Tanto riso, oh/ Quanta alegria/ Mais de mil palhaços no salão/ Arlequim está chorando pelo amor da Colombina/ No meio da multidão/ Foi bom te ver outra vez/ Tá fazendo um ano/ Foi no carnaval que passou/ Eu sou aquele Pierrot/ Que te abraçou/ Que te beijou, meu amor/ A mesma máscara negra/ Que esconde o teu rosto/ Eu quero matar a saudade/ Vou beijar-te agora/ Não me leve a mal/ Hoje é carnaval/ Vou beijar-te agora/ Não me leve a mal/ Hoje á carnaval”).
Era a senha para beijar a foliona recém-conquistada. Se houvesse correspondência, o sujeito havia ganho a noite. Se não, não.
Se tudo tivesse dado certo na etapa anterior (a garota não só consentira no beijo, como abrira levemente os lábios para você introduzir a língua), a próxima fase era levá-la para uma parte mais escura do clube, normalmente em corredores longes do salão, e iniciar a sessão de “acocho” (na época, era esse o nome do modernoso “ficar”), que consistia de beijos e abraços apertados. Só isso.
As mais liberais ainda permitiam algumas alisadas nas coxas e alguns toques, discretos, no sutiã de cetim.
Avançar mais do que isso era convite certo para uma tapa na cara e o fim do, digamos assim, relacionamento casual.
Os casais voltavam para o salão quando o baile já estava acabando.
Os primeiros acordes de “Está chegando a hora” (“Quem parte/ Leva saudades/ De alguém/ Que fica chorando de dor/ Por isso eu não quero lembrar / Quando partiu / Meu grande amor/ Ai ai ai ai/ Está chegando a hora/ O dia já vem raiando meu bem/ E eu tenho que ir embora”) sinalizavam para os últimos beijos, abraços apertados e as juras de amor eterno. Pura balela.
Na maioria das vezes, nem se sabia o nome da garota. E a possibilidade de encontrá-la novamente no carnaval seguinte era tão difícil quanto acertar na Mega-sena acumulada.
No dia seguinte, após a ressaca carnavalesca, a turma de moleques se reunia para contar vantagens sobre as conquistas efetuadas e fazer planos para os bailes do ano seguinte. Simples assim. Mas que era divertido, isso era.
FONTE: http://amordebica.blogspot.com.br/ | Postado por Simão Pessoa
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