Cine Vitória
Por Ed
Lincon
Edificado na avenida Leopoldo Peres, ao lado da Usina Americana (de beneficiamento de castanha, ainda existente) e próximo a conhecida Baixa da Égua, o cine Vitória veio preencher de forma superlativa a lacuna deixada pelo fechamento do cine Rex. O empreendimento, da empresa A. Bernardino & Cia Ltda., de Adriano Bernardino (1901-1961) e Aurélio Antunes (1900-1976), dotou o bairro de Educandos de nova casa de espetáculos. O prédio começou a ser construído no início de 1950. As obras prosseguiam lentamente, apesar da aparelhagem destinada ao Vitória já se encontrar em Manaus, trazida pelo vapor Rio Juruá, e adquirida em São Paulo, na Companhia Black (de propriedade de Mário Schneider) distribuidora exclusiva no Brasil.
Um ano depois, a coluna “No mundo do cinema”, de A Crítica (17 ago.1954) propala que se encontra “em nossa cidade desde sábado último, o técnico Mário Schneider que veio montar as máquinas de projeção do novo cinema “Vitória” da empresa A. Bernardino & Cia., situado no populoso bairro de Educandos. Ao que soubemos, o técnico tudo fará para concluir o seu trabalho ainda este mês, que dará oportunidade à empresa proprietária do cinema a que este seja inaugurado possivelmente no próximo dia 7 de setembro”.
Apesar de os esforços empreendidos para inaugurar o cinema no prazo previsto, a avant premiére somente ocorreu em 11 de dezembro.
O Jornal
do Commércio (11 dez. 1954)
revelou que Bernardino faria a inauguração do Cine Vitória, no bairro de
Educandos, no mesmo dia da publicação. “O
cine Vitória possui 1.116 poltronas, que
significa dizer que é o maior salão de projeção de Manaus”.
O filme A floresta maldita, da Warner, estrelado por Kirk Douglas, em sessão das 20h e entrada a Cr$ 4,00 (quatro cruzeiros), inaugurou o Vitória. No dia seguinte, domingo, o Vitória cumpriu a programação: matinal (às 9h), com entrada gratuita para as crianças, exibiu um festival de desenhos animados e filmetos de cunho educacional. Na vesperal (13h) foram projetados dois filmes: Capitão Blood, com Errol Flynn (1909-1959), e Adaga de Salomão (1ª série), com entrada a Cr$ 3,00 (três cruzeiros). Na vesperal (16h) passou a chanchada Balança, mas não cai. Ingresso: Cr$ 4,00 (quatro cruzeiros). E, as 20h, foram exibidos: o longa metragem O forte da coragem, estrelado por Yvonne De Carlo (1922-2007), e o desenho animado Meu lar é sagrado. Entrada a Cr$ 6,00 (seis cruzeiros). |
Em julho de 1955, para modernizar a casa de
espetáculos, a empresa instalou a tela panorâmica. Essa providência melhorou
sensivelmente a projeção das imagens. Em dezembro, quando do primeiro
aniversário, Bernardino elaborou uma programação especial. No dia 11, pela
manhã, com farta distribuição de bombons para a garotada, o Vitória mostra o
filme Sucessos em Desfile, de Walt Disney.
Na vesperal das 13h, a sessão dupla: Fantasma do espaço e Fúria perversa. Às 16h, O fantasma da rua Morgue e Esporte na Tela
55/57. E, finalmente, na sessão noturna: Mentira, com Jorge
Mistral (1920-1972) e Marga Lopez (1924-2005); e Robinson Crusoé, da United
Artists.
Em outubro de 1959, inaugurado no bairro da Cachoeirinha o cine Ipiranga, a empresa A. Bernardino promoveu ampla reforma no Vitória. Ampliou as instalações e melhorou o sistema de ventilação e projeção, assim como renovou a pintura da fachada. |
O Vitória além de funcionar como cinema,
também costumava receber em seu palco shows de cantores, inclusive os de renome
nacional. Registram-se entre estes: Ciro Aguiar, Altemar Dutra (1940-1983),
Moacyr Franco (ainda operando na TV), Teixeirinha (1927-1985) e Waldik Soriano
(1933-2008), que deixou plantadas lendas no bairro, algumas registradas no bar
da dona Miss.
Há registro da passagem pelo palco do Vitória de cantores da Jovem Guarda, como: Roberto Carlos (em meados de 1960, ainda um ilustre desconhecido e sem a fama de “Rei”, apenas com sua guitarra vermelha), Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Ronnie Von, Wanderléia, Martinha, etc.
No início de 1969, o grupo Bernardino interrompeu o funcionamento do Vitória para nova reforma. Na ocasião, houve melhoramentos internos: reforma do palco, reparo e pintura nas paredes do prédio e aplicação de verniz nas cadeiras. Foram concretizadas ainda melhorias no sistema de som e de ventilação.
Acerca dessa reforma, por sinal, a derradeira, o matutino A Notícia (8 jul. 1969) assegura que o “Cine Vitória”, no bairro de Educandos, foi inteiramente recuperado pela empresa A. Bernardino, sua proprietária. “Serviu para que víssemos o estado magnífico de apresentação em que se acha aquele local de diversão pública.” Lamentou que a excelente apresentação dentro em breve estará reduzida a nada, “pela ação demolidora de alguns vândalos que fazem ponto de estacionamento naquele cinema”
Os temores do jornalista (Cláudio Amazonas, possivelmente) se revelaram procedentes. Antes do final do ano, o Vitória já apresentava cadeiras arrebentadas e paredes pichadas, devido a inexistência de segurança e de princípios sociais. Em setembro, aconteceu a inauguração da pioneira, a TV Ajuricaba (canal 20 em UHF).
O sucesso da TV foi iminente. Conquistou a todos, inclusive aos aficionados de cinema. Com isso, as salas de cinema foram a nocaute. Outro fato veio colaborar com essa queda: a intensa campanha movida pela Prefeitura de Manaus, apoiada pelos jornais e do Instituto Nacional do Cinema (INC), objetivando melhorar as condições das salas de exibição. Outros fatores contribuíram: a constante reprise de filmes; a exigência de produções nacionais em sessões (a maioria fora do agrado popular, especialmente as do chamado “cinema novo”).
No caso do Vitória, o golpe de misericórdia demorou, veio em março de 1973. A 16, parte do controle acionário da empresa A. Bernardino (alegando falta de recursos financeiros para reformar suas salas, como exigia a prefeitura), passa ao gerenciamento do Grupo Daou. Bernardino decide vender, além do Vitória, os cines Avenida e Palace, mantendo em seu controle, e funcionando, o Ipiranga e o Guarany.
O fechamento do Vitória foi melancólico, soturno. Ocorreu no "Dia do Trabalho", deixando vários desempregados. Fez projetar o filme Comandos, para uma platéia reduzidíssima de pouco mais de dez pessoas. Em uma sala que comportava mais de mil! E a poucos dias do encerramento do prazo estabelecido pela Prefeitura, para que proprietários e arrendatários de casas cinematográficas cumprissem as reformas e benfeitorias exigidas.
A notícia do fechamento do Vitória, embora só tivesse sido noticiada a 10, já era do conhecimento dos educandenses, que lamentaram a perda. Muitos ainda imaginaram que o cinema fechara para mais uma reforma; que o mesmo ainda reabriria, mas infelizmente tal não aconteceu.
Em depoimento para a imprensa, Raimundo Marques, espécie de gerente do Vitória, revela que preparou muitos operadores para a empresa Bernardino. E mais, que vigiava o prédio do Vitória, porque morava na parte de trás ocupando uma “casinha”. Por isso lembrava que recebeu nesse endereço “muitos artistas famosos, entre os quais Waldik Soriano e Teixeirinha, que após o show no palco do Vitória, iam tomar um “cafezinho”.
Encerrado o
funcionamento do Vitória, a enorme edificação teve a
fachada descaracterizada, e passou a servir de depósito da extinta Credilar
(Moto Importadora Ltda.). Adiante, ali funcionou um supermercado, depois uma
loja de quinquilharias do Sukatão, seguida de uma igreja evangélica e, até
recentemente (2005), de uma casa de leilões. Continua mudando de ramo.
Lacrado o Vitória, o cinema
desapareceu de Educandos, o bairro que possuíra o maior número de casas
cinematográficas.
HOJE
Abaixo, local onde funcionou o Cine Vitória.
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