No período de 1911 a 1920 Manaus vivia a expectativa de tendência de baixa crescente no mercado da borracha, a base de sua economia. Todos os esforços das forças econômicas do Estado do Amazonas se destinavam a estimular a produção da hévea. Não era previsível, ainda, o esvaziamento da cidade e a quebra geral da economia que viria poucos anos depois.
Neste mesmo período a Associação Comercial do Amazonas que representa ainda agora os empresários, fundada em 1871, iniciou os estudos para plantio de seringueiras, " em terreno entre o atual Boulevard Amazonas e a rua de José Cláudio Mesquita, onde corriam trilhos de bondes, com a plantação de mais de cem seringueiras" sob o comando do comendador José Cláudio Mesquita, antigo presidente da entidade e um incentivador dos estudos de cultivo e tratamento da espécie natural da Amazônia.
Na mesma época foi definido que o dia 24 de junho seria considerado o dia da Seringueira e, naquele aprazível logradouro, todos os anos, far-se-ia a plantação de um árvore do tipo.
Desta forma foi constituído o Campo Experimental do Seringal Mirim que permaneceu em atividade mesmo após a morte do ilustre comendador português em 6 de novembro de 1923.
Em 1937 o Seringal estava pujante, belíssimo recanto, que servia de lição concreta para o tratamento de tão importante espécie regional. Em 1939 discutia-se a sua encampação pelo governo do Estado, procurando apoio do Ministério da Agricultura. Em 19 de abril de 1943 foi criada a Escola de Seringueiros Jose Cláudio Mesquita, e o Seringal passou a integrar o Serviço de Fomento Agrícola do Estado, na administração Álvaro Botelho Maia, funcionando como uma Escola de experiência de látex, sangria de plantações de seringueiras, e estava sob a direção do agrônomo Lourenço Faria de Mello. Em 1944 a escola foi visitada pela Comissão Brasileiro-Americana de gêneros alimentícios, em inspeção oficial.
O período era de graves dificuldades para os mais pobres. André Vidal de Araújo e Helena Cidade de Araújo, esposa do seu irmão, político, Ruy Araújo, cuidavam da assistência às lavadeiras e viúvas. Neste clima e por esta influência o governo do estado criou a Vila Assistencial da Praça da Liberdade em área contígua ao seringal, no prolongamento da pista que seguia em direção ao bairro do Giráo, em casas de madeira entregues às viúvas, quase todas integrantes da comunidade negra instalada anteriormente naquele bairro.
Nelas viveram por muitos anos figuras que se tornaram conhecidas na cidade, como Antonia dos Anjos, Marcelira, Antonia Manbeca, Eulália que também eram os anjos da guarda do seringal . Na área organizou-se, naturalmente, uma comunidade populacional de caráter afro-brasileiro, com as festas representativas , os festejos de Santo Antônio, São Benedito e São João, surgindo brincadeiras e folguedos de grande apelo e apoio popular.
Ali tudo se fazia com estilo e honra a cultura afro-brasileira. Congá de cultos, terreiro, centro religioso de todos os matizes, inclusive o terreiro de Maria Estrela que morava com Antonia Lobão, depois transferido para D.Joana Papagaio, a seguir sob as ordens de mãe Margarida e depois com Ribamar. Era área de batuque, de grande magia e encantamento. Lugar de respeito. Foi ali que durante muitos anos, o boi bumbá Mina de Ouro, na frente da praça Liberdade, fez o seu curral, antes da taberna do Alípio Guimarães do sítio de Maria dos Santos Pereira Wanderley e do hospital do isolamento Chapost Prevost.
Esta mesma área, em 1979 foi transformada em reserva fundiária estadual pelo decreto 4590, de 18 de junho de 1979, atendendo Exposição de Motivos que apresentei à Comissão do Patrimônio Histórico, e destinado a implantação do Museu do Seringueiro, cujo projeto chegou a ser desenvolvido pela museóloga Veralúcia Ferreira de Souza, mas não foi executado. Na ocasião foi realizado um detido levantamento de todas as seringueiras ali existentes, da área que sobrara, inclusive das antigas residência de lavadeiras que, com o tempo, e pela exploração imobiliária, já vinham sendo expulsas da região, há algum tempo.
Naquele ano de 1980 asfaltaram a região, já cortada pela avenida Djalma Batista, que fora rasgada na administração do prefeito Jorge Teixeira de Oliveira e as invasões das terras se intensificaram. Quando vereador de Manaus, 1989-92, ao lado de outros parlamentares, investigamos a situação procurando interditar a construção da central de energia elétrica que ali está edificada, e nada foi possível fazer, quer pela falta de documentos da região, como pelo interesse, empenho e velocidade das ações da empresa de energia federal que dominou a região, comprando de terceiros áreas que, verdadeiramente, não lhes pertenciam.
E o Seringal Mirim perdeu-se no tempo e pelo pouco interesse dos nossos governantes. E a praça da Liberdade ficou somente na memória dos que viveram aqueles anos ou amam Manaus.
Por Rério Braga:
Historiador, ex-presidente da Academia Amazonense de Letras e atual presidente do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e Secretário de Estado da Cultura, Turismo e Desporto.
Parabéns ao historiador por esse excelente trabalho!Fiquei muito emocionado! principalmente porque Marcelira, nome citado de uma das lavadeiras, era minha tia em segundo grau.Meus pais e meus avós, também moravam no seringal miri. faltou lembrar também de outra lavadeira guerreira! que foi minha querida tia Mariquinha.
ResponderExcluirSe não me falha a memória D. Marcelira e D. Mariquinha moravam juntas. Fazendo uma pesquisa sobre a Colônia Maracajú, um dos primeiros assentamentos de imigrantes nordestinos naquela área, me deparei com algumas inconsistências no que diz respeito ao traçado dos bondes, lembro que os mesmos corriam na Rua Claúdio Mesquitas, no entroncamento do Boulevard Amazonas com a Claudio Mesquita e Seringal Mirim, existia um pavilhão com alguns bares, sendo um deles do Sr. Horta, que tinha um grande sítio com um castanhal na Rua João Alfrêdo, e é curioso saber que os bondes eram movidos pela hidroelétrica da Cachoeira Grande no São Jorge, mais precisamente nos Bilhares.
ResponderExcluirO Sr Hermano Horta era tio da minha avó, na vdd a esposa dele era tia dela. Ela morou no sítio deles, sua tia dona Maria Carvalho era tacacazeira de mão cheia.
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