O roteiro acerca da existência do Quartel da Praça da Polícia pode ser elaborado a partir de notícias extraídas dos relatórios provinciais: a forma de sua aquisição, a listagem dos vários reparos e, por complemento em outras fontes, descrever outras providências, tal como a presente situação - tombado pelo patrimônio histórico, porém marcado para perder a particularidade centenária de aquartelamento. Assim, a primeira notação vem de José Coelho da Gama e Abreu, presidente da Província (1867-1868), que alude à compra de um prédio em construção de propriedade do capitão (da Guarda Nacional) Custódio Pires Garcia - o Palacete Garcia. Situado na rua Espirito Santo, hoje Dr. Moreira, se estendia para o “aterro” (desta maneira denominado, devido ao esforço em se soterrar o igarapé existente nas imediações), atual avenida Floriano Peixoto. Destino da edificação: abrigar a tesouraria provincial, e preço da ocasião: 12 contos de réis!
O antigo Palacete Provincial fora construído em único bloco; o correspondente à edificação original abriga, em nossos dias, no térreo os museus Tiradentes e de Numismática e, no superior, um auditório. Por ocasião da substituição do telhado, realizada em 1993, foi possível constatar esta propriedade, devidamente retratada pela empresa construtora. Sua construção data provavelmente do início da década de 1860. E deve ser incluído entre as edificações mais antigas da Cidade, mesmo que tenha sido ampliado e ampliado sem muitos critérios, ainda assim mantém as particularidades fundamentais.
O entusiasmo presidencial pela aquisição, ante o “maior andamento” da obra, é compreensível. O presidente provincial João Wilkens de Matos, todavia, em Relatório de 25/03/1870, anuncia a suspensão da obra por “falta de tempo, e de operário e mesmo pela carestia dos materiais”, e adita, pela pouca urgência do prédio diante de outros de mais interesse público. Em dezembro do mesmo ano, o diretor de Obras Públicas, Luís Martins da Silva Coutinho, relataria que o edifício se encontra “em condições de receber a cobertura”, para tanto, já havia madeira bastante “para este fim” e para o vigamento do teto do segundo andar.
Em março de 1871, o coronel José de Miranda da Silva Reis, presidente da Província (1870-72), sustenta em Relatório ter suspendido os trabalhos de construção do Palacete Provincial, sua nova denominação, “por ter se transformado em sorvedouro de numerário”. Apenas em 1873, Domingos Monteiro Peixoto, igualmente presidente da Província (1873-75), reconhece que a conclusão do imóvel traria benefïcios ao operário público, por entender que poderia abrigar mais de uma das repartições provinciais, “pelas quais paga-se excessivos alugueis”. Assim, dispõe pela Portaria de 19.10.1873 o prosseguimento da edificação, sendo contratante, o tenente coronel (da Guarda Nacional) João José de Freitas Guimarães, pelo valor de 50:000$766 réis. A despeito do interesse presidencial, a obra evoluiu com embaraços, devido a deficiência de materiais de construção e outros empecilhos próprios da época.
Em 25 de março de 1874, relata Domingos Monteiro Peixoto, presidente da Província, “acha-se concluído este próprio provincial”. São, portanto, mais de doze décadas abrigando repartições públicas; as primeiras foram o Liceu, a Biblioteca Pública, a Assembléia Provincial e a Repartição de Obras Públicas. A mais destacada, pelo longo tempo de ocupação, capaz de cunhar-lhe novo epíteto, foi a Polícia Militar. E, remata o presidente Peixoto, no primeiro semestre do exercício atual, a despesa total feita com este prédio foi de 20:288$200 (leia-se: vinte contos, duzentos e oitenta e oito mil e duzentos réis). Em 28 de fevereiro de 1875, ocorreu a inauguração do Palacete Provincial, conforme assinala o diretor das obras públicas, coronel engenheiro Joaquim Leovegildo de Sousa Coelho, em exposição ao presidente da Província.
O ano de 1876 foi notável para a Instituição. Em fevereiro, nos conta em Relatório o presidente Antônio dos Passos Miranda, o Palacete recebeu “as bandeiras e trancas de ferro nas janelas e portas”. Este mesmo presidente, em 3 de maio, restabelece a Guarda Policial do Amazonas, pois até esta data, submetido aos reclamos financeiros da presidência, não existia uma corporação policial capaz de assegurar o bem estar social, de auxiliar o poder judiciário e aplicar as normas de conduta que a convivência dos cidadãos no dia-a-dia reclama. Ainda, para tornar mais faustoso este ano, em 11 de julho, foi instalado o Serviço de Extinção de Incêndios, que se projetou pelo tempo e, atualmente, forma o Corpo de Bombeiros Militar.
O edificio então era conhecido por Palacete Provincial ou, unicamente, Palacete. Decerto dominava a Cidade, a despeito de sua modesta arquitetura, pois “é evidente sua ligação com uma tradição colonial, lembrando bastante as construções típicas de casa da Câmara e Cadeia, erguidas em todo o país durante aquele período”. A reflexão é de Otoni Mesquita, em obra de mestrado acerca da “Belle Époque Manauara”, que desta maneira fundamenta: “apresenta frontão curvo, e no entanto a utilização da platibanda revela uma característica neoclássica”. Otoni finaliza, revelando que, “Na realidade, este prédio fora projetado para possuir tres pavimentos; mas, por questão de segurança o terceiro foi demolido”. (...) “Suas envasaduras são todas em arco pleno e estabelecem um ritmo estável entre os cheios e vazios, mas não conseguem quebrar a monotonia e a simplicidade da fachada”. Aqui alongo a observação do mestre, ainda não haviam sido construídos os prédios do Ginásio Amazonense, da igreja Matriz e muito menos do Teatro Amazonas.
Na noite de 28 de julho, foi realizado o Baile de Gala promovido pela colônia maranhense, em regozijo a data comemorativa da adesão do Maranhão à Independência do Brasil. Era presidente da Província, empossado em 26 de junho, o maranhense Domingos Jacy Monteiro, formado em “Ciências Sociais e Jurídicas” pela Faculdade de Direito do Recife. O baile foi um esplendor, narram os cronistas da época, realizado nas salas do primeiro andar, onde funcionava a Assembléia Provincial. Desde a data acima até a Proclamação da República, o Palacete ainda passou por duas reformas: a primeira em 1880, e a segunda, quatro anos depois, “sofrendo alterações e acréscimos e servindo de sede a inúmeros órgãos públicos”, confere Antônio Loureiro, in "Manaus na Era Imperial"
Com segurança mesmo o ano de 1890, mas sem data definida, o Palacete transmudou-se em Quartel, ocupado pela Polícia Militar. Não restam dúvidas, a posse ocorreu durante o curto governo republicano de Augusto Ximeno de Villeroy, tenente do Exército. Logo que assumiu o governo, Villeroy modificou, consoante o Decreto n° 11, de 13 de janeiro, a denominação da força militar estadual de Corpo Policial do Amazonas (um resquício da monarquia) para Batalhão de Polícia, copiando em tudo a estrutura do Exército. Não terá ocorrido nesta data, ou próximo desta, a ocupação do palacete pela Força? Qualquer que seja o dia, comemora, no decurso deste ano, onze décadas de posse, a despeito de uma provisória desocupação, sem que a alma miliciana fosse dali expurgada.
Desde a instalação do novo regime, o governo do Amazonas era exercido por oficiais do Exército e da Armada. Em 1895, ocupava-o Eduardo Gonçalves Ribeiro (1892-96), capitão do Exército. Compete-lhe, entre tantas primazias, a iniciativa de ampliar o primitivo Palacete para, preservando as linhas originárias, transformá-lo em condigno aquartelamento, abrigo do Batalhão Militar do Estado (nomenclatura da ocasião). O bronze que assinala o feito, afixado no frontispício do quartel, apenas indica o nome do realizador e do ano.
Em 8 de novembro de 1897, a tropa do 1° batalhão de infantaria do Regimento Militar do Estado (nova denominação), sob o comando do tenente coronel Cândido José Mariano, de regresso da Campanha de Canudos, é recebido neste quartel, consagrado pelas salvas e reverências de seus pares. A imortalidade do feito sobre Canudos se encontra gravada no pórtico do quartel da Praça da Polícia.
No ano seguinte, extraído do Relatório dos trabalhos realizados pela Diretoria de Obras Públicas, sob a direção de Eugênio Ramos Villar,. enviado ao governador do Estado, José Cardoso Ramalho Júnior (1898-1900). "O Batalhão de Segurança [o quartel da Praça da Polícia] está sendo completamente reformado, tendo-se feito os seguintes trabalhos: demolição e construção da fachada da ala esquerda, reforço de alicerces e pilastras; novo assoalho, mudança nas escadas, cimentação de pátios e banheiros, conserto total de telhados e parte do madeiramento, substituição de venezianas, guarda água, portas, conserto nos antigos water closet e assentamentos de novos reparos nos fogões; assentamento de pias, caixas de água, pintura a óleo e caiação de todo o edificio, exceção da frente, construção de gigantes, linhas de esgotos, derivações internas e extinção de um formigueiro".
Ao final de 1900, as determinações do governador Silverio José Nery (1900-04) ao Regimento Militar do Estado foram de que executasse as salvas regulamentares de tiros de canhão, pela transição do século. A ordenação procedia, pois existia uma fração de artilharia com os necessários apetrechos. Hoje, às portas de um novo milênio, a saudação não poderá ser repetida, simplesmente não mais existe canhão no Quartel da Praça Heliodoro Balbi.
O movimento revoltoso das Forças federais, ocorrido em 8 de outubro de 1910, promovendo um ataque pelas armas, que se conhece por Bombardeio de Manaus, feriu não apenas as instituições constitucionais, mas, em especial, arrasou parte deste quartel. Entretanto, venceram a ordem e a Força Policial, que soube defender com denodo e lealdade ao governador do Estado, Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt (1908-12). Em nova ocasião, o Quartel da Praça da Polícia foi cercado por Forças federais. Em 23 de julho de 1924, a "rebelião tenentista" contra o governo estadual, dirigida por oficiais do 27° BC, surpreendeu a Força Policial e ao próprio governador, César do Rego Monteiro (1921-24). Ambos foram derrotados. O Quartel permaneceu sem danos materiais, e foi defendido por um punhado de intrépidos policiais, à frente seu comandante, o coronel (da reserva) Pedro José de Souza, que sustentou uma refrega desigual até cair ferido por balas adversárias.
Em 29 de novembro de 1930, como desdobramento do "golpe getulista", ocorreu um dos momentos mais aflitivos para a Corporação. Quando sem explicações plausíveis, foi extinta a força militar estadual, por ato do interventor federal no Estado, dr. Álvaro Maia. Os policiais, cerca de trezentos homens, foram aproveitados em diferentes serviços. O quartel desocupado dos policiais serviu, de pronto, para abrigar o serviço de Bombeiros. Todavia, diante de seu amplo espaço, o quartel foi mesmo transformado em escola, abrigando as alunas da Escola Normal, no andar superior, e o grupo Escolar Barão do Rio Branco, no térreo. Para atender a esta nova finalidade, outro interventor, o capitão (do Exército) Nelson de Mello (1933-35), promoveu diversos melhoramentos no prédio, ocasião em que se construiu o segundo piso lateral, pela rua José Paranaguá.
Em 1936, a 26 de abril, aconteceu a tão almejada reativação da Força Policial. Como o antigo quartel estivesse ocupado por estudantes, a corporação se abrigou precariamente em outras edificações do Estado. Apenas em 1942, sob o comando do major (do Exército) Gentil João Barbato (1941-45), que coordenou o emprego de seus subordinados na ajuda à construção do Instituto de Educação do Amazonas, a Polícia Militar retornou por completo ao "antigo ninho".
No primeiro governo de Gilberto Mestrinho (1959-63), que concedeu amplo apoio ao comandante, coronel (comissionado) Francisco Assis Peixoto (1959-62), o quartel da Praça da Polícia recebeu fortes reparos. O mais marcante - o reparo geral do rancho, - quando ocorreu (pasme!) a moderna substituição do fogão a lenha pelo de gás liquefeito. Em 1972, sucede outra marcante reforma na edificação, por iniciativa do Comandante Geral, tenente coronel Paulo Figueiredo Andrade de Oliveira (1971-73), arrimado pelo governador do Estado, João Walter de Andrade (1971-75). Na parte externa, substituiu-se parcela do telhado original por telhas de fibrotex, as quais foram trocadas pelas atuais de alumínio, na restauração de 1993. O espaço interior foi redividido, empregando-se madeira e fórmica, propiciando aos policiais um ambiente mais agradável e com relativa funcionalidade. Na execução, contudo, desta remodelação, foram obstruídos os arcos que dividiam as salas e, sem atentar para o originário, acrescentaram deselegantes janelas aos vãos do corredor superior. Quem observar pela avenida Floriano Peixoto, aos fundos, percebe a mácula e o mal gosto.
O governador do Estado, Henoch da Silva Reis (1975-79), sancionou a Lei n° 1206, de 3 de dezembro de 1976, autorizando a alienação de um imóvel, ou seja, a sede do comando geral da PMAM. A propósito, o quartel recebeu um "ataque" partido do próprio Comandante, coronel (do Exército) Mário Perelló Ossuosky (1975-79), que aproveitou o desabamento de parte do reboco frontal para sustentar a demolição do centenário edifício. A divulgação do edito governamental, todavia, incitou manifestações da comunidade, tanto dos organismos técnicos, quanto dos próprios manauenses habituados com o quartel da Praça da Polícia. As demonstrações de repúdio impediram a consecução da legislação. A preocupação do governador José Bernardino Lindoso (1979-82) com os próprios estaduais foi pioneira, pois estabeleceu que o Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, parte do Conjunto Arquitetônico Ambiental da Praça Heliodoro Balbi, se encontra sob proteção especial da Comissão Permanente de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico, de acordo com a Resolução n° 01/80, homologada pelo Decreto n° 4.817, de 6 de dezembro de 1980.
Novamente na direção do governo do Estado, Gilberto Mestrinho (1983-87), que convocou para o comando da Corporação, o coronel Helcio Rodrigues Motta (1983-87). Sob este comando, em 1985, o Quartel recebeu nova modelagem, salientando-se a recuperação do rancho, em especial a cozinha central e os refeitórios, agregando uma área no piso superior ocupada por seções administrativas. Em 1993, então na direção do quartel da Praça da Polícia, o coronel Antônio Guedes Brandão conseguiu junto ao governador, Gilberto Mestrinho (1991-95), a reforma do telhado do prédio. Assim, vinte anos depois, as telhas de fibrotex foram substituídas pelas atuais de alumínio, que inegavelmente não causaram boa impressão e resultado satisfatório.
Fontes:
1. Boletim Geral da Corporação - coleção, a partir de 1936. Manaus
2. Braga, Genesino - artigo no Jornal do Commercio, de Diário Oficial do Estado - coleção desde 1893. Manaus
3. Loureiro, Antônio José Souto. Amazonas na Época Imperial. Manaus: T. Loureiro & Cia, 1989.
4. Mendonça, Roberto. Candido Mariano & Canudos. Manaus: Universidade do Amazonas, 1997
5. Mesquita, Otoni. A Belle Époque Manauara. Manaus: Valer, 1999
6. Monteiro, Mario Ypiranga. Síntese Histórica da Polícia Militar do Amazonas. Manaus: Imprensa Oficial, 1972
7. Relatórios Provinciais - coleção. Arquivo da Associação Comercial do Amazonas. Manaus.
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