UTILIDADE PÚBLICA

terça-feira, 28 de outubro de 2014

BONDES X ONIBUS


Para viabilizar a chegada de linha de bonde ao bairro da Cachoeirinha, o governador Eduardo Ribeiro decidiu construir uma ponte metálica na avenida Sete de Setembro, no ponto em que o igarapé do Mestre Chico deságua no rio Negro.

A nova ponte foi construída no período de 1892 a 1895, com todas as peças importadas da Inglaterra e sob a supervisão do engenheiro Frank Hirst Hebblethwaite.

A ponte recebeu vários nomes: Terceira Ponte, Ponte Metálica, Ponte da Cachoeirinha e Ponte Benjamin Constant, mas até hoje é conhecida pelos moradores como “Ponte de Ferro”.

O serviço de viação por bondes foi inaugurado em Manaus em 1896, ainda durante o governo Eduardo Ribeiro. 


Funcionando em caráter provisório, estava sob a responsabilidade do engenheiro Frank Hirst Hebblethwaite e contava com apenas duas linhas que tinham por fim interligar a área urbana com os subúrbios, ou seja, as áreas mais distantes com o centro da cidade.


A estação central estava localizada na Praça XV de Novembro, tendo como referência o Pavilhão Universal, localizado nas proximidades dos armazéns da Booth Line.


O serviço atendeu inicialmente aos limites compreendidos pela estrada Epaminondas, entre a Praça Uruguayana e a Praça Cinco de Setembro, e entre esta praça e o Igarapé do Baptista, no final da estrada Epaminondas, no bairro de Flores, nas proximidades de onde hoje está o estádio Vivaldo Lima, praticamente na zona rural da cidade.

A outra linha partia da Epaminondas pelo Boulevard Amazonas até o Cemitério São João Batista, no Alto do Mocó.


Mais tarde, uma nova linha foi inaugurada partindo da estrada Epaminondas, nas proximidades da Ponte dos Bilhares, e seguindo em direção ao bairro de São Raimundo pela estrada velha via ponte de ferro da Cachoeira Grande, que deu origem à famosa  “Rua da Cachoeira”, do bairro de São Jorge.

Em 1900, os serviços estavam sob a responsabilidade da Manáos Railway Company, empresa inglesa que recebeu consideráveis auxílios para sua instalação na capital, mas, desde o começo, os seus serviços foram considerados muito precários pela população.

Deste período é válido ressaltar uma solicitação curiosa: a imprensa noticiava com frequência que a população solicitava o prolongamento do horário dos bondes até o fim dos espetáculos quando houvesse programações no Teatro Amazonas.



Em 1909, a concessão dos transportes por bondes foi entregue à empresa The Manáos Tramways and Light Co. Ltda, com sede e usina de força central no Plano Inclinado, no bairro de Aparecida, que gerenciou simultaneamente os serviços de bonde e o sistema de energia elétrica do Estado.

A empresa, também de origem inglesa, destacou-se por traçar uma política com posicionamento rígido voltado para a eficiência dos serviços de bonde. 

Seus funcionários, todos estrangeiros, seguiam normas que favoreciam ao cumprimento de quadro de horário e freqüência no número de viagens. 

Trabalhavam uniformizados e atendiam com cortesia aos usuários dos bondinhos.



Em janeiro de 1913, uma nota publicada no jornal O Tempo demonstrou haver, realmente, uma proposta de qualidade nos serviços desenvolvidos pela Manáos Tramways. 

A mensagem trazia a seguinte informação: “A Manáos Tramways tem a honra de avisar ao respeitável público que nas noites da véspera e dia de São João, 23 e 24 de junho, haverá bondes para todas as linhas durante todas as noites e será aumentado o número dos mesmos para a linha de Flores”.

A expansão do perímetro urbano da cidade transformou o bairro da Cachoeirinha em passagem e ponto obrigatório dos serviços de bonde, fazendo com que o governo estadual arrendasse, em forma de contrato, este novo serviço para o engenheiro cubano Antônio de Lavandeyra (responsável pela construção das docas do Porto Flutuante de Manaus) pelo prazo de 70 anos.

No dia 9 de julho de 1918, entretanto, o contrato sofreu alterações, e o gerenciamento dos bondes da Cachoeirinha foi transferido para a The Manáos Tramways and Light Co. Ltda.

Para melhor servir os usuários, a empresa construiu um prédio situado na antiga Praça Benjamin Constant, na saída da ponte metálica, que servia de garagem dos bondes, laboratório de carpintaria e mecânica, almoxarifado e oficina de manutenção dos carros da companhia. 



O aumento da população, entretanto, forçou a ampliação do sistema elétrico da cidade e a criação de uma distribuidora de energia que servisse de apoio à usina central, fato concretizado em 1939, com a inauguração de uma sub-usina (hoje Amazonas Energia), na mesma praça.

Por volta da década de 40, disputando passageiros com os bondinhos pelas vias de Manaus, passaram a circular os primeiros ônibus – confeccionados em madeira e montados sobre chassis de caminhões – que faziam linha para todas as áreas urbanas e suburbanas da cidade. Foi a partir desse período que a situação dos “bondes elétricos” começou a ficar comprometida.



A exemplo dos barcos regionais, os ônibus de madeira possuiam nomes próprios pintados nas laterais: Eneida, Progresso, Brasil, Radiant, Monte Ararate, Hilariante, Torino, Hudson, Silvia, Girassol, Santa Helena, Nazaré, Santa Inês, Isabel, etc.

Em pouco tempo, várias kombis-lotação (chamados de “expressos”) juntavam-se aos ônibus de madeira na disputa por passageiros, tornando ainda mais complicada a existência dos bondes.

Em 1949, a economia de Manaus apresentava-se complemente desmantelada e o fornecimento de energia era racionado, o que prejudicava o funcionamento dos bondes. 



Pouco a pouco, a Manáos Tramways foi perdendo o interesse pelos serviços de viação e, em 1950, apresentou um relatório no qual alegava que os bondes eram os principais responsáveis por seus prejuízos.

Em 1951, o gerenciamento dos serviços elétricos e, por conseguinte, o transporte por bondes, passou a ser responsabilidade do Estado, por iniciativa do governador Álvaro Maia. 

No mesmo ano, o jornal A Crítica publicou uma notinha dizendo que “os serviços elétricos do Estado são presentemente, verdadeira calamidade, nem luz, nem bonde, nem força.”

Apesar das inúmeras dificuldades, os bondinhos permaneceram atuantes por mais de 60 anos. 

Eles só deixaram de trafegar em 1957, por decisão do governador Plínio Coelho, mas contra a vontade da população, que via neles um eficiente e barato meio de locomoção e uma alternativa a mais em termos de transporte coletivo.



O jornalista Mário Adolfo, meu sócio no vibrante CANDIRU, tem uma história recorrente a respeito dos bondes da cidade: ele conta que fabricou muito cerol de papagaio colocando pedaços de vidro nas linhas férreas para serem pulverizados pelos bondinhos.

Bom, quando os bondinhos deixaram de circular, em 1957, o Mário Adolfo estava com três anos.

Efetivamente, uma linha do bondinho passava pela rua Borba, diante da sua casa, mas custa crer que a Dona Inês Aryce de Castro fosse capaz de deixar um fedelho de três anos se aproximar daquela linha férrea, ainda por cima portando cacos de vidro nas mãos para supostamente fazer cerol.

E, apesar de tê-lo visto preparando cerol no final dos anos 60, quando éramos adolescentes, não creio que ele fosse capaz de desenvolver aquela complicada atividade quando estava com apenas três anos de idade.

O problema é que o Mário Adolfo não dá a mínima para as minhas contestações pertinentes e continua repetindo a mesma história sempre que nos encontramos para encher a caveira de birita.



Os principais roteiros de bondes na Cachoeirinha eram os seguintes:

Circular Cachoeirinha – Praça XV de Novembro, Sete de Setembro, Ponte Metálica, Waupés, Curva da Morte, Ipixuna, Borba, Manicoré, Carvalho Leal, Belém, Praça Chile (Cemitério São João Batista), Belém (em frente ao Parque Amazonense), Boulevard Amazonas, Silva Ramos, Epaminondas, Instalação e Praça XV de Novembro.

Cachoeirinha-Sete de Setembro – Praça XV de Novembro, Sete de Setembro, Ponte Metálica, Waupés, Curva da Morte, Ipixuna, Borba, Manicoré e Carvalho Leal até a Casa Amarela, no cruzamento das ruas Codajás e Carvalho Leal. Voltava fazendo o mesmo percurso.

Linha do Pobre Diabo – Praça XV de Novembro, Sete de Setembro, Ponte Metálica, Waupés, Curva da Morte, Ipixuna, Borba e Santa Isabel, até a igreja do Pobre Diabo. Voltava fazendo o mesmo percurso.

Parada Campelo – Praça XV de Novembro, Sete de Setembro, Waupés, Curva da Morte, Ipixuna, Borba, Manicoré e Carvalho Leal até a Casa Campelo, no cruzamento das ruas J. Carlos Antony e Carvalho Leal. Voltava fazendo o mesmo percurso.



O cruzamento das ruas Waupés e Ipixuna ganhou o nome de “Curva da Morte” por ser uma curva extremamente fechada e de péssima pavimentação, que não oferecia boa visibilidade aos motoristas.

O trecho da Waupés entre a Ipixuna e a Silves era entrecortado por vários igarapés, de forma que necessariamente os motoristas que vinham pela Waupés eram obrigados a dobrar à direita, na Ipixuna, para alcançarem o resto do bairro da Cachoeirinha. 

Dos vários acidentes lá acontecidos, um batizou definitivamente o nome da curva.

O fato teve como protagonista o motorista do empresário Abadon Azaro, um abastado comerciante local, que residia à rua da Instalação, no centro da cidade, e era proprietário da famosa Drogaria Comercial.

Como a maioria dos endinheirados da época, Abdon Azaro possuía um carro inglês de marca Buick.

Certa noite, o motorista escapou à vigilância do patrão e saiu no carro em alta velocidade em direção a Cachoeirinha, onde uma cabrocha o aguardava para os embates de Eros.

Quando entrou na curva a 80 km/h, o carro derrapou nos trilhos do bonde, capotou, e o chofer teve uma morte trágica porque o vidro da porta do carro decepou-lhe a cabeça.

Alguns anos depois, um caminhão da fábrica Fitejuta transportando vários funcionários e camburões de água para debelar um incêndio que ocorria no parque fabril da empresa, localizado na Carvalho Leal, entrou na curva em alta velocidade, também derrapou nos trilhos e capotou, matando um ocupante do caminhão e deixando outras dez pessoas em estado grave.

Mais tarde, o comerciante José Carvalho estava caminhando pelo meio-fio em direção ao seu estabelecimento (Casa Carvalho) quando foi atropelado pelo ônibus Radiant, que também havia entrado na curva em alta velocidade.

Felizmente, apesar das fraturas e das escoriações generalizada, seu Carvalho sobreviveu para contar a história e hoje a Banda do Carvalho, que se reúne na sexta-feira magra em frente ao seu bar, tem sua concentração localizada exatamente na “Curva da Morte”.



A Cachoeirinha foi o primeiro bairro de Manaus a ser servido por uma linha de ônibus, sendo o responsável pelo pioneirismo o motorista Adelmo Marques (aka “Dedé”), que inaugurou a linha com o ônibus “Periquito da Madame”.

O veículo era um caminhão com cobertura de madeira na carroceria e diversos bancos de madeira para dois passageiros dispostos em seu interior, um formato logo copiado por outros donos de caminhões.

O ônibus saía da Praça Oswaldo Cruz, seguia pela Sete de Setembro, entrava na Waupés, seguia até a “Curva da Morte”, pegava as ruas Ipixuna, Borba, Manicoré e Carvalho Leal até a Casa Amarela, retornando pelo mesmo trajeto.

Ele foi batizado com aquele sugestivo nome devido ao sucesso de uma marchinha carnavalesca, composta por Nestor de Holanda, Carvalhinho e Teixeira, que fez muito sucesso no carnaval de 1947: “O periquito da madame come milho, / come arroz, / come feijão, / mas quase sempre, / o periquito da madame, coitadinho, / sofre indigestão! / Eu trato bem / o periquito da madame, / tenho cuidado com a sua refeição. / Não compreendo por que é / que o tal bichinho, / coitadinho, / sofre indigestão!”. 




Aparentemente, qualquer pessoa que possuísse um caminhão podia convertê-lo em um ônibus e depois obter uma licença da prefeitura para trafegar em determinadas linhas.

De uma hora para outra, centenas de ônibus começaram a circular pela cidade.

O ônibus mais famoso de Manaus era o Radiant, pintado nas cores azul marinho e rosa, também feito de madeira.

Suas “porfias” com outros ônibus pelas ruas da Cachoeirinha deixavam os passageiros com o coração na boca.

O ônibus mais estranho era o Sputnik, no formato de um dirigível Zeppelin, pertencente ao seu Hudson, dono do posto de gasolina Constelação, localizado ao lado da Casa Amarela. 



Os zepelins eram confeccionados em Belém do Pará pela Viação Sul Americana. Tinham carroceria de madeira, ferro e flandres, pintados externamente na cor de alumínio. O interior era forrado em couro e os bancos, alcochoados. Em vez de cobradores, eram tripulados por ‘aeromoças’.

No início dos anos 60, foram vendidos para Manaus e São Luiz. Antes disso, porém, inspiraram uma marchinha carnavalesca muito famosa em Belém: “Mamãe eu quero, quero / andar de zepelim, / com tanta mulher boa / dando sopa, está pra mim”.

A maior frota de ônibus de madeira e, por extensão, a que mais provocava acidentes, era formada pelos ônibus vermelhos e brancos chamados Ana Cássia, cuja garagem ficava em Santa Luzia, de propriedade do empresário Cirilo Anunciação, o “Batará” .



O Hilariante, pintado nas cores verde e amarelo, foi o primeiro ônibus de ferro a circular na cidade, tendo sido fabricado em São Paulo pela empresa Marcopolo.

Apelidados de “rabo quente” porque possuíam uma descarga vertical superaquecida na parte traseira, os ônibus de ferro praticamente levaram à extinção a prática de “morcegar” os veículos, colocada em prática pela molecada desde que os primeiros ônibus começaram a circular.

Era quase impossível se aproximar da traseira do ônibus por causa do calor que irradiava da descarga.

A brincadeira de “morcegar ônibus” consistia em se pendurar feito um morcego no parachoque traseiro dos ônibus e circular por alguns quarteirões, para espanto e desespero dos transeuntes que achavam a brincadeira muito perigosa.










3 comentários:

  1. BOA NOITE, SOU PEDRO ANTUNES, SOU DE LONDRINA PARANÁ, PROFUNDO PESQUIZADOR, DA MANAUS ANTIGA PARABÉNS CLAUTER CARVALHO PELA EXCELENTE MATÉRIA. MUITO BORIGADO POR ESTUDAR MAIS UM POUCO DE MANAUS.

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  2. Nossa que maravilhas! Hoje sou motorista da global green, e sempre sonhei de um dia trabalhar como motorista urbano sonho realizado .meus parabéns Amado por essa linda história!

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  3. Fui dessa epocaandei de bonde qua do tinha4anos pois morava em Aparecida na rua Bandeira Branca.e também meu pai foi proprietário de ônibus de madeira e aos 13 anos já era cobrador de ônibus cobrava com dinheiro no dedo não existia catraca

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