UTILIDADE PÚBLICA

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Veículos (individuais) utilizados em Manaus nos séculos XVI a XIX


Tirante a canoa, que os primeiros cronistas batizaram com o sugestivo nome “montaria” (cavalo dágua), e que era e ainda é veículo de grande popularidade, mesmo para viagens longas e demoradas entre o Lugar da Barra e o Alto Solimões (até Nauta, no Peru) e/ou o Madeira, até Santa Maria de Belém, o regime era a “patriota” (pisante = andar a pé). Concebe-se que uma área tão exígua como era a da Barra de 1700, por exemplo, até 1840, o recurso individual era o pé, mas depois que se criou o “cinturão verde” ou “cinturão econômico”, com as famosas “rocinhas” situadas fora do perímetro dito urbano, a situação piorou. É verdade que os igarapés do Espírito Santo, dos Remédios, da Cachoeirinha, da Cachoeira Grande, facilitavam as comunicacões, por água, mas por terra havia uma série de perigos desafiando a coragem e a paciência dos pés caminheiros. Por exemplo, o Caminho da Cachoeirinha (hoje avenida de Sete de Setembro) se estendia da Alameda dos Tamarindos (primeira avenida com árvores racionalmente plantadas e que se pode ver em fotos antigas) até depois da rua de Antimari, onde as rocinhas de anil, de tabaco, de mandioca, e os “queixos de velha” abundavam. Para chegar até essa região, são e salvo, sem borbulhas nos pés, sem encontros eventuais com onças e índios Mura, sem cobras nem assaltantes de cor (escravos fugidos) você andaria melhor remando, mesmo porque naquela idade não havia pontes nos igarapés afastados. 




Merece reparo o pastoreio iniciado por Lobo de Almada no Rio Branco. Vem daí o aparecimento do cavalo como meio de transporte, aliviando os pés caminheiros. Ele vai servir principalmente ao carvoeiro distribuidor do combustível (os primeiros foram portugueses, que trouxeram a novidade) do carvão vegetal invés da lenha em ser. Já nos séculos seguintes o cavalo é utilizado em veículos de madeira denominados andilha, liteira, cadeira de arruar, berlinda, landau (no museu do lGHA havia os restos mortais de um, da Prefeitura), coche, tilburi, charrete, caleça, mas positivamente nunca tivemos carros faustosos, modelo Luís XV e outros. Desses veículos, o que se tornou depois popularíssimo mesmo em Manaus cidade, foi o “carro de luxo”, uma sege tirada por parelha. Era tão estimada e popular que havia oficina de construção, na avenida de Joaquim Nabuco, residência dos proprietários, Empresa Cerca & Nazaré (Ruas). Serviu ao povo até a década de trinta, mais ou menos. Pode ver-se em fotos estacionamentos nos locais mais freqüentados pelo povo, como zona do Mercado, praça da Matriz, avenida de Eduardo Ribeiro. Possuíam quatro rodas, as duas da parte trazeira maiores e uma alta boléia onde ficava plantado o homem das rédeas, denominado “boleeiro”. Naquele banco ainda cabia uma pessoa, mas do sexo masculino. A sege comportava de seis a oito pessoas porque os bancos eram da largura do veículo e havia ainda banquinhos escamoteáveis para crianças. Os que chegamos a ver e a utilizar, eram ainda forrados de damasco vermelho e a boléia era de couro, conversível. Não tinham portas, por isso que ficavam devassadas. Das quatro rodas, as diante eram menores, a fim de compensarem o espaço destinado ao jogo do varal ou lança. E obrigadas por lei a serem calçadas com superficies de borracha ou crepe. Eram veículos preferidos no Carnaval, com a boléia arriada onde as moças sentavam, mas também os mortos possuíam o seu, todo negro, com os bonitos cavalos ajaezados de dourados com plumas nas cabeças. Destes haviam os da Casa de Misericórdia e da Beneficente Portuguesa.

Rede de cambão. De seguro alguém já viu em desenhos ou fotos atuais esse tipo de transporte individual, tanto para vivos como para mortos. A rede foi em todos os tempos, na América sulina, aquele lectns pensile que causou furor na Europa, quando Colombo levou delas para seu rei. A vantagem da rede é que ela é para tudo: tanto serve para fabricar filhos como para marchar para o Oriente Eterno, ou dormir, comer, ler, sonhar, filosofar, etc. Ainda hoje é utilizada como meio de transporte fácil e barato, usando-se apenas um cambão e dois transportadores. Durante as soalheiras ou com tempo chuvoso, defende-se o usuário passando um protetor por cima do varal, tecido que pode ser de palha.


Cadeira de arruar ou “cadeirinha”, antigamente denominado andilha e liteira. Imagine-se uma cadeira estofada, metida num bioco de couro ou de madeira, com portas laterais, janelas de vidraca, apoiada em dois cambões, que os escravos ou lacaios seguravam firmes, às vezes nos ombros. Esta era o modelo mais modesto, porque havia outras em que os homens eram substituídos por cavalos. Era maior, mais cômoda e mais ventilada, aceitando janelas com vidraça. Segundo informações pessoais o modelo menos pomposo foi o usado pelos proprietários de rocinhas afastadas. Só tinha dois assentos, frente à frente, mas podia receber quatro pessoas, desde que não obesas. Entretanto havía-as destinadas a quatro pessoas, isto é, mais largas e mais pesadas, admitindo quatro transportadores ou dois cavalos. A cadeirinha possuía a forma retangular, mas as mais distintas, de estilo, eram de paralelogramo ou trapezoidais, com torneados e incrustações de marfim.

Berlinda. Esse foi o tipo de veículo individual que teve fraca repercussão em Manaus, até o princípio do século XX, quando a introdução dos primeiros automóveis matou a poesia romântica do passado. Era mais suntuoso do que as seges acima aludidas, e o sistema de molas mais complicado, que fazia do veículo uma traquitana adoçada pelos calçados de borracha crepe. Tinha duas portas laterais e janelas envidraçadas. Como se vê era veículo para gente fina. Só se tem certeza da existência dela em Manaus pelo “Jornal do Comércio” que publicou uma notícia a respeito do padre dr. José Manuel dos Santos Pereira, professor, residente na estrada Sete de Dezembro (Joaquim Nabuco), dono de uma. Mas havia outras, de propriedade do Barão de Bastos, dos genitores dos doutores Almir e Adalberto Pedreira (informações do último), e esses grandes veículos requeriam por sua vez cavalariças espaçosas. Aliás foi a época em que todas as casas nobres de Manaus possuíam garages e não só estas como as repartições públicas.

Tilbury, tilburi - Era um carro leve, de duas rodas, tirado geralmente por égua por causa da altura. Possuía cobertura manobrável, em forma de tejadilho, e era aberto. A cobertura nascia da boléia, por isso o veículo só se prestava para uma pessoa que a dirigia. Introduzido pelos ingleses da Manáos Railways, no princípio do século vinte, entrou na moda e os súditos alemães Waldemar Sholz e Deffner dirigiam eles mesmos os seus carros, quando iam para o Deutsche Klub, no começo da avenida de Constantino Nery, onde foi a sede do Olímpico Clube. Existe uma foto muito requisitada, que documenta um atravessando a trote a avenida de Eduardo Ribeiro. Esse tipo de veículo pessoal resistiu até recentemente, década de vinte, quando o último (ou um deles) ainda circulava desde a Vila Municipal até o hangar dos bondes da Manáos Tramways, na Cachoeirinha. Por ser pequeno e leve não exigia grandes espaços para abrigo.

Cabriolé. É uma versão melhorada do tilburi, para duas pessoas, porém leva atrás um estribo para o trintanário. Tirado por um só animal.

Charrete. Carro de duas rodas de diametros maiores, com dois varais para uma parelha de cavalos. Possuía a forma mais ou menos retângular, com assentos e boléia para duas pessoas incluindo o boleeiro. Entretanto, denominava-se charrete ou charriote a um veículo do mesmo tipo. Mais ou menos até 1917, um alto funcionário dos Correios e Telégrafos usava de uma, e a égua, muito educada, chamava-se “Nelly.” Após deixar o dono na repartição, que ficava na praça de Quinze de Novembro, a égua voltava sozinha para casa, pois o dono, que residia na Vila Municipal, almoçava na cidade. Na hora de ir buscar o patrão, o jardineiro e tratador atrelava-a e deixava-a ir. Nunca a “Nelly”, que era potranca, desviou-se do caminho por causa de algum garanhão. E depois que pariu, o potro ia ao seu lado, trotando alegremente. Publicamos uma nota, a respeito dessa charriote, porque chegamos a conhecê-la de perto, quando menino. Introduzida pela colônia francesa, não teve muita popularidade.

Esta primeira entrega (etapa) será o ponto de partida para melhores explorações, maiores detalhes, principalmente leis, quando ajuntarmos a outra parte que trata dos veículos coletivos.



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